[Em Cima do Lance com Paulo Leandro] Sport Club Corinthians Lençoense
Sandoval estava vestido na camisa do Boca Juniors, todo amarelo e azul, tomando uma em Osvaldo Pontes, para esperar a partida decisiva contra o Corinthians. Quase na mesma hora que Fabinho descia, vestido de Corinthians, para ver o jogo no Bar de Leo.
Também nesse mesmo intervalo, descia um jovem imantado na camisa alvinegra do time paulista enquanto um carro com um som nas alturas espalhava o hino do Corinthians pela Rua das Pedras.
O veículo sonoro fixou-se estrategicamente bem no meio da Rua das Pedras, quase fazendo questão de transgredir a norma de trânsito que proíbe carros na centenária artéria que faz o coração da cidade bombar energia para todas as outras.
Além do hino, havia outras músicas de boa sorte para o Corinthians, falando da Fiel e outras glórias do time paulista. Assim estava a cidade que poderia muito bem e magicamente ter alterado o nome do clube para Sport Club Corinthians Lençoense.
Acreditava na vitória do Boca porque achava que a torcida paulista no Pacaembu ia deixar o timão deles lá muito nervoso com a expectativa do título. E até que os argentinos tocavam bem a bola, na ideia de marcar o golzinho que ia apavorar o time da casa.
CHAVEIRINHOS
No início do segundo tempo, no entanto, veio o primeiro gol e os fogos de artifício tomaram conta do ambiente. Prevalecia o som do espoucar e o brilho na noite levemente chuvosa da Cidade-Patrimônio.
Ao final do jogo, dir-se-ia uma nova libertação da cidade do jugo de tropas inimigas, ou a ressurreição de Horácio para comandar novamente a região e reorganizar o Batalhão Patriótico Lavras Diamantinas.
Nada disso. Era apenas a certeza que o Corinthians dominava o jogo, fazia o placar para ser campeão invicto e não havia mais razão para acreditar que o Boca poderia atrapalhar os planos em preto e branco.
Provavelmente, o café de Vei terá clientes vestidos na camisa do Corinthians e nos próximos dias, meses, e quem sabe, anos, a noite levemente chuvosa na cidade-patrimônio jamais será esquecida pelos adeptos desta religião nacional.
Meu amigo Nilson Galvão se espantou outro dia ao constatar que em Brumado não há mercado para chaveirinhos com escudo de Bahia e Vitória, mas sim para times sudestinos. Flávio Novaes também não se conforma.
JAGUNÇOS
Para tentar compreender o fenômeno, lembrei a Nilson que os baianos fora do Recôncavo e de Salvador não têm sentimento de pertença ao poder da capital. Dir-se-ia baianos a pulso, forçados, sem identificação voluntária ou espontânea.
Daí, acreditar que a forte presença corinthiana em Lençóis tem como origem esta rejeição à ideia de se submeter ao Estado simbolicamente através do futebol. Tem também a hipótese do bombardeio simbólico midiático que não deve ser descartado.
O rádio esportivo, principalmente o carioca, e depois e agora, a tevê, além da internet com seus sites e redes sociais, posicionam os clubes sudestinos em status central, enquanto a dupla Ba-Vi ocupa local periférico na programação. Isso também conta muito.
Mas não é tudo. Há também um passado que deixou rastros. Antes mesmo de se ouvir falar em marketing promocional ou algo parecido, os clubes sudestinos curtiam fazer temporadas nas cidades e regiões do Nordeste. Temporada era tipo uma excursão.
Como mobilidade era um problema mais grave, vinham em navios a vapor para as capitais e cidades dotadas de um bom porto e depois aventuravam-se pelo sertão, quando havia condição de trânsito, para permanecer em algumas regiões, onde mantinham contato direto com as populações, matéria-prima de onde se constroem as torcidas.
Não sei se o Corinthians Paulista esteve na região das Lavras Diamantinas ou, quem sabe, Feira de Santana, que é mais pertinho. Sei que inaugurou, por exemplo, o estádio Antonio Carneiro, o Carneirão, em Alagoinhas, com Rivelino e tudo, num amistoso contra o Bahia.
O que se pode confirmar com certeza é que, de uma forma ou de outra, a cidade de Lençóis, assim como muitas outras cidades baianas, foi tomada ontem por um bando de loucos diferentes do tipo que passa na televisão.
São loucos morenos, fortes, esguios, dir-se-ia um bando de jagunços loucos pelo Corinthians. Vou daqui a pouco lá em Véi ver como ficou a cidade depois da conquista da Libertadores. E constatar, junto aos amigos Silvio Tudela e Rodrigo Parra, a alegria do povo pela vitória alvinegra do Sport Club Corinthians Paulista. Paulista e Lençoense, também.
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