[Tragédia] Barraqueiro evangélico morre eletrocutado em via pública
Um flagrante dos repórteres Bruno Wendel e Evandro Veiga,
que estavam no local do acidente cumprindo outra pauta, mas acabaram registrando
uma grande tragédia. Veja primeiro a matéria em fotos de Evandro Veiga:
Matéria em texto de Bruno Wendel:
O ambulante Nelson Santana de Souza, 41 anos, morava com a mulher, Rosimeire dos Santos, 35, e os dois filhos, no `Loteamento Vila Pedrita, em Itinga, Lauro de Freitas. Ele acordava todos os dias à 1h para preparar os lanches que venderia em sua barraquinha na Estrada do Coco. Às 5h, deixava Rosimeire em frente ao Shopping Litoral Norte, onde também vendia doces e salgados.
Em seguida, Nelson voltava em casa, pegava mais
coxinhas, pastéis, pãezinhos, bolos e seguia para o Shopping Passeio
Norte, onde às 7h fazia da moto uma barraca itinerante. Às 20h, era a
hora de desmontar e ir para casa. Apesar da vida sofrida, Nelson
juntava dinheiro para um objetivo: comprar um carro para facilitar o trabalho. Nelson e Rosimeire frequentavam a Igreja Universal no bairro.
Ontem, em mais um dia de batente, por volta das 8h30, Nelson atendeu à ligação de Rosimeire. Como de costume, ela queria saber se ele havia chegado bem. Após trocar palavras de carinho, o casal de despediu. Rosimeire orgulhava-se da luta do marido, que conheceu há 9 anos vendendo lanches em Itinga. Natural de Elísio Medrado, a 240 km de Salvador, Nelson planejava no fim do ano ver os parentes. Para isso, além de separar o dinheiro para o carro, juntava economias de bicos. Quando havia alguma festa na região, lá estava ele e só saía do local após vender tudo.
Acidente na Estrada do Coco derruba poste e fio cai sobre gerador. Após explosão, ambulante que estava próximo corre, mas tropeça na corda da própria barraca e cai sobre o fio, recebendo descarga de 11.400 volts, e morre.
Conhecido como “Irmão”, era bem querido pelos funcionários do Shopping Passeio Norte, seus clientes. Pouco após as 9h, pediu ajuda para comprar o carro ao mototaxista Sandro dos Santos, 32, seu vizinho. “Ele pediu para tirar o carro no meu nome”, contou o amigo. Mas às 10h, os sonhos de Nelson chegaram ao fim.
À esquerda, o repórter Bruno Wendel e à direita, Evandro Veiga. Equipe do CORREIO flagrou tudo
‘Vê-lo morrer ali me matava’
Bruno Wendel é repórter há 7 anos e há 6 trabalha no CORREIO. Não deseja o que viveu ontem a nenhum colega de profissão.
Quinta-feira, 23 de maio. Falastrão do jeito que sou, retornava calado de Lauro de Freitas para o jornal, na Federação. No trajeto de aproximadamente 30 quilômetros, o silêncio foi quebrado pelo motorista do CORREIO Jasson Azevedo. “Você está bem?”, indaga.
Ontem, em mais um dia de batente, por volta das 8h30, Nelson atendeu à ligação de Rosimeire. Como de costume, ela queria saber se ele havia chegado bem. Após trocar palavras de carinho, o casal de despediu. Rosimeire orgulhava-se da luta do marido, que conheceu há 9 anos vendendo lanches em Itinga. Natural de Elísio Medrado, a 240 km de Salvador, Nelson planejava no fim do ano ver os parentes. Para isso, além de separar o dinheiro para o carro, juntava economias de bicos. Quando havia alguma festa na região, lá estava ele e só saía do local após vender tudo.
Acidente na Estrada do Coco derruba poste e fio cai sobre gerador. Após explosão, ambulante que estava próximo corre, mas tropeça na corda da própria barraca e cai sobre o fio, recebendo descarga de 11.400 volts, e morre.
Conhecido como “Irmão”, era bem querido pelos funcionários do Shopping Passeio Norte, seus clientes. Pouco após as 9h, pediu ajuda para comprar o carro ao mototaxista Sandro dos Santos, 32, seu vizinho. “Ele pediu para tirar o carro no meu nome”, contou o amigo. Mas às 10h, os sonhos de Nelson chegaram ao fim.
À esquerda, o repórter Bruno Wendel e à direita, Evandro Veiga. Equipe do CORREIO flagrou tudo
‘Vê-lo morrer ali me matava’
Bruno Wendel é repórter há 7 anos e há 6 trabalha no CORREIO. Não deseja o que viveu ontem a nenhum colega de profissão.
Quinta-feira, 23 de maio. Falastrão do jeito que sou, retornava calado de Lauro de Freitas para o jornal, na Federação. No trajeto de aproximadamente 30 quilômetros, o silêncio foi quebrado pelo motorista do CORREIO Jasson Azevedo. “Você está bem?”, indaga.
“Os traços do rosto daquele homem se desfazendo na
minha frente, como uma vela derretida, tão cedo não sairá de minha
cabeça”, respondo, cabisbaixo. Nesses sete anos de jornalismo policial,
nunca tinha visto nada igual. Nada se compara aos muitos corpos
fuzilados, mutilados, decompostos que já relatei. Nada foi tão chocante
como o fim trágico do trabalhador Nelson Santana de Souza.
Era ambulante, pai de dois filhos, religioso e
casado, mas antes de tudo era um ser humano. A sensação de vê-lo morrer
ali e não poder fazer nada, absolutamente nada, me matava por dentro.
Foram dez minutos de aflição. Ainda assim, mesmo sabendo que não
poderíamos ajudá-lo, o desejo de puxá-lo dali atormentava a minha mente
e a do fotógrafo Evandro Veiga. Era uma vontade insana, porém motivada
pela sensação de impotência. Quando vi o ambulante arrastar-se no chão
por centímetros, para mim, apesar de remota, era um fio de esperança
de um homem que agonizava sobre uma descarga elétrica de 11.400 volts.
Mas, a morte era iminente. Ele levantou o rosto por
três vezes, como se implorasse por ajuda. O rosto já estava
desfigurado. Difícil não se emocionar com o desespero de outras
pessoas que, assim como eu, torciam pela vida. Foi um homem que tentou
amarrar uma corda nos pés do ambulante para retirá-lo do local,
motoristas que tentaram em vão apagar as chamas do corpo com
extintores dos carros. Uma mulher ajoelhou e pediu em voz alta que Deus
poupasse a vida do ambulante.
Ser um dos personagens desta história não é fácil.
Nós, jornalistas, estamos habituados a contar situações, e não nos
envolver nelas. Lembro de uma ocasião em que tive que dar a notícia a
uma mãe de que a filha tinha sido assassinada. Aquilo me marcou muito e
acreditava que seria minha experiência mais marcante. E aí você se
questiona: como não se envolver? Imparcialidade? Nessas horas? Não se
comover ao ponto de colocar sua vida em risco?
‘Eu o vi olhando para meus olhos’
Evandro Veiga é repórter fotográfico há 17 anos e está no CORREIO há nove. Preferiria fotografar paisagens.
Toda vez que clicava na câmera me sentia muito mal. Cada foto que fazia sentia uma dor no meu peito. Vi ele morrendo aos poucos, olhando para os meus olhos. Acho que se eu tivesse visto meus filhos de manhã teria ido pra cima dele e tentado puxá-lo de alguma maneira. Quando vi que o fio estava muito forte, parei e pensei em meus filhos.
‘Eu o vi olhando para meus olhos’
Evandro Veiga é repórter fotográfico há 17 anos e está no CORREIO há nove. Preferiria fotografar paisagens.
Toda vez que clicava na câmera me sentia muito mal. Cada foto que fazia sentia uma dor no meu peito. Vi ele morrendo aos poucos, olhando para os meus olhos. Acho que se eu tivesse visto meus filhos de manhã teria ido pra cima dele e tentado puxá-lo de alguma maneira. Quando vi que o fio estava muito forte, parei e pensei em meus filhos.
Cheguei tão perto do corpo... Tentei salvá-lo.
Gritei! Gritei! Olhava para ele e gritava: “Vem, vem”. Me deu vontade
de meter a mão, de puxar. Parei quando veio na minha mente a imagem dos
meus filhos e refleti: ‘Posso ficar aqui e morrer junto. Ainda tenho
dois filhos para criar’. Eu ia morrer como herói, mas eu quero ver meus
filhos crescerem.
Estava do outro lado da rua fazendo uma matéria
sobre um incêndio que tinha acontecido durante a madrugada na loja
Insinuante quando ouvi um barulho grande. Era um fogo azul. Parecia a
cor de um céu de brigadeiro. Quando me aproximei, alguém gritou:
“Cuidado que vai explodir, tem gasolina no gerador”.
Atravessei a rua, vi o vulto dele correndo. Quando
cheguei perto vi o homem se tremendo no chão. Parti pra cima dele. Olhei
fiz a foto e comecei a gritar por Bruno para chamar o socorro. Uma das
imagens mais horríveis da minha vida foi olhar para ele com o sangue
caindo pela boca sem poder fazer nada. Naquele exato momento eu fui até a
imagem, mas eu sabia que não podia fazer nada.
Sentia a descarga forte no chão e pedia para as
pessoas se afastarem. Fotografei por instinto, sem pensar. Disse: “Pai,
eu vou pra cima. Vou tirar ele”. Mas teve um barulho, uma forte
explosão. Me deu medo quando lembrei da imagem do sorriso de Eric, meu
filho, como se ele tivesse me chamando para não ir. Recuei e continuei a
fotografar.
Depois pensei que espécie de ser humano sou eu de
ver alguém da minha espécie morrer na minha frente sem poder fazer nada.
Como fotógrafo, nos 17 anos de profissão, sempre quis fotografar uma
guerra, registrar cenas fortes. Mas, nunca imaginei que poderia
acontecer algo igual a isso na frente dos meus olhos. Ontem, quando sai
de casa abençoei meus filhos e pedi a Deus um bom dia. Eu sei que tive
um bom dia por um motivo: tentei salvá-lo, mas vi que não podia fazer
nada.
Do Correio*
Comentários
Postar um comentário