[Em Cima do Lance] Saudades do scratch! Por Paulo Leandro

Por: Paulo Leandro
 Saudades do scratch!

Um meio seguro de pegar no sono é jogo amistoso de seleção brasileira. Principalmente se for contra os Estados Unidos, vestido parecendo time de futebol americano, bem apropriado para refletir bem a cultura esportiva predominante lá pela América do Norte.

Junte-se à chatice de um jogo que nada vale à narração daquele conhecido amigo e pronto. Nem precisa de chá ou aquele tarja-preta surrupiado do papai enquanto ele toma a sopa, prática já abolida por este escriba saudavelmente recuperado sem aditivos graças a Deus.

É 10, 15 minutos no máximo e o soninho chega em alta, dá até pra sonhar. Talvez se desperte rapidamente com os gritos exagerados de gol, afinal, um jogo insosso que nada vale, não faz ninguém pular de vibração.
O que fizemos com um dos principais símbolos da pátria? Ou tem outro momento mais sublime para os brasileiros reunirem-se e dizerem juntos: Brasil! Nem no nosso Dois de Julho, verdadeira data da independência nacional, conseguimos ser assim brasileiros.

Neste aspecto, o antigo scratch refletia mais as nossas necessidades cívicas. A seleção, com o passar dos anos, foi ficando muito mais o time do Ricardo Teixeira, aquele que faz o narrador chato se esgoelar, como se gritasse por uma substituição que nunca chega.

EFEITO

Bota aquele menino do SporTV, esqueço o nome dele agora, não sei se é Paulo César... Tanto narrador novo, sou mais Thiago Mastroiani com comentário de um que é do Rio, também esqueço agora, que memória é essa, vou anotar quando ele aparecer... ah, sim, Lédio Carmona!

Penso em duas chances para compreender por que o princípio de impermanência não afeta o sujeito antipatizado, mas que ajuda muito a pessoa a pegar no sono, pois a chatice eterna e contínua faz o telespectador se amparar no mito de Orfeu.

Uma delas é espiritual: esse cara deve ter um Exu muito bem assentado, capaz de protegê-lo contra toda e qualquer ameaça. Assim, com os caminhos abertos, ele exerce o dom da comunicação sem ser afetado por si mesmo, seu principal inimigo, nem por meios externos.

Outra possibilidade é entender o Brasil como efeito do capitalismo tardio, conceito construído por Florestan Fernandes. Assim, a habilidade do profissional em ganhar a confiança dos donos da rede onde trabalha torna-se um valor superior à competência que deveria ser exigida.

Voltando ao contraste entre a atual seleção e o antigo scratch, lembro que em mil novecentos e antigamente, a convocação era um momento tão tenso e sublime que as pessoas paravam onde estivessem para comentar por que tal e qual jogador entrou ou não entrou.

LÓGICA

Hoje, tanto faz como tanto fez. Mas, antes, um jogo da seleção era um ritual cívico muito valorizado. Mesmo amistoso fazia todo mundo reverenciar o Onze Canarinho. E, mesmo quem não entende de jogo, assistia e vibrava porque ali estava nossa pátria em chuteiras.

Quem construiu esta expressão foi Nelson Rodrigues, cuja obra é tema de estudo de pós-graduação em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia. Ainda este ano teremos a defesa da tese da amiga Lidia de Teive e Argolo.

Pois bem. Já se foi o tempo da noção da seleção como a pátria em chuteiras. Antes, só se jogava no Maracanã, como se fosse o peji de uma série consagrada de santos do futebol. Uma vez ou outra, a seleção jogava em São Paulo e outra capital.

Quando começou a ter desgaste, passaram a levar a seleção pra jogar até... argh!... no Nordeste. Mas eles arrumaram um jeito de ganhar mais dinheiro, e em euro, e o Brasil passou a ter Londres como sede, atuando no Emirates Stadium como se ali fosse sua casa.

Como tudo na vida, a alma é capturada pela lógica mercantil e o que um dia foi a nossa seleção, o nosso scratch, tornou-se o mais poderoso sonífero. Não me vejo representado por este combinado que só faz bem a empresários e aos provisórios donos do nosso futebol.

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