[Copa das Confederações] Em Salvador, o Uruguai que não fala castelhano. Conheça o Bairro do Uruguai


Do Correio


A seleção do Uruguai desembarcou em Salvador na última segunda-feira (17). Depois de perder no sábado por 2x1 para a seleção da Espanha, uma das favoritas da Copa das Confederações, os uruguaios enfrentam o time da Nigéria aqui em Salvador, na Arena Fonte Nova, nesta quinta-feira (20). Mas poucas pessoas conhecem a história de um bairro de Salvador que possui o mesmo nome da Seleção Celeste.
Em 16 de julho de 1950, um jogo histórico marcou o futebol brasileiro e continua ressoando. Brasil e Uruguai se enfrentavam no Maracanã depois de uma campanha bem sucedida das duas seleçõesdurante a IV Copa do Mundo da FIFA. O time do Uruguai zebrou a seleção brasileira e virou o jogo, vencendo com um placar de 2x1. O último gol da seleção uruguaia saiu no finalzinho do jogo que ficou conhecido como Maracanaço. 
Coincidência ou não, também na década de 1950 surgia, em Salvador, o bairro do Uruguai. O nome teria sido uma homenagem dos moradores da região à Seleção Celeste. Segundo o antropólogo Roberto Albergaria, essa foi a história que ele escutou dos moradores mais antigos do bairro. A origem do nome ainda é meio confusa entre os habitantes do bairro e só os mais velhos podem dizer se é verdade ou não. 
O bairro do Uruguai fica localizado na Cidade Baixa de Salvador, na Península de Itapagipe, tendo a maior população entre os bairros da península. A região começou a ser habitada na década de 1950, quando houve uma migração maciça de moradores do interior do estado para a capital. Grande parte daquela região era mar e terreno de mangue e embarcações transitavam por ali. A região da península era o polo industrial da cidade de Salvador e a região recebia os operários e suas famílias que vinham à Salvador atraídos pelos empregos disponíveis. 
A região de mangue, ou de mar raso, facilitou a ocupação do espaço pelas palafitas. Os moradores começaram a construir as habitações de madeira, o que ficou conhecido como Invasão de Alagados, antes mesmo do bairro receber o nome de Uruguai. Negro Dindo, morador do bairro, relata que aprendeu a nadar entre as estacas das palafitas. "Saía de uma estaca e batia os pés correndo para segurar na outra, encontrando, de vez em quando, fezes, no meio do caminho", relembra o criador do grupo Agita Alagados.

Negro Dindo foi criado no bairro e fundou o projeto Agita Alagados há sete anos, com o qual ajuda a população local com cestas básicas e ginástica laboral. Foto: Daniel Silveira
O pai de Negro Dindo, o Mestre Portela, que hoje mora em Camaçari, escreveu um poema sobre a época em que viveu nos Alagados, onde pede proteção ao Senhor do Bonfim para os moradores do local. Um trecho do poema mostra como as casa eram montadas sob estacas: "Tenha pena dos Alagados/ Barracos de tábua que estão na maré/ Nove paus de sete metros bem fincados e alinhados". 
O aterramento da área começou na década de 1980, quando os próprios moradores usavam o lixo e o entulho da cidade que a prefeitura descarregava na região. Albergaria acredita que, depois do aterramento e da construção da Rua Direta do Uruguai, os Alagados cresceram e iniciaram um tipo de construção que invadiu a cidade nos anos seguintes. "As construções foram dominadas pela poética dos blocos cheios de limo, das lajes-lavanderia-salão de festas e dos puxadinhos", conclui o antropólogo.
O bairro ficou marcado pelas notícias negativas que eram veiculadas sobre violência e carência da população. Em 1980, a visita do papa João Paulo II foi responsável por levar os Alagados para o mundo. O pontífice, em sua primeira visita ao Brasil, inaugurou a igreja Nossa Senhora dos Alagados, construída especialmente para recebê-lo.
Atualmente os moradores do Uruguai se organizam politicamente para tentar melhorar as condições de vida do bairro, que ainda sofre com problemas de infraestrutura como asfaltamento, saneamento básico e condições precárias de moradia. Uma articulação entre os moradores da península de Itapagipe foi organizada para buscar melhorias para  a região. A Comissão de Articulação e Mobilização dos Moradores da Península de Itapagipe (CAMMPI) é uma rede que reúne mais de 50 organizações da península com objetivo de realizar um diagnóstico local do território, além de possuir grupos de trabalho, saúde, cultura e meio ambiente. 

Falta de saneamento básico e drenagem estão entre os problemas de infra-estrutura enfrentados pelos moradores do bairro. Foto: Daniel Silveira
O Uruguai se organiza em grupos e associações. Entre eles, o Centro de Arte e Meio Ambiente (CAMA), Grupo de Mulheres Ativas do Uruguai, a Associação de Moradores do Conjunto Santa Luzia, que faz atividades de educação e saúde; a Camapet, que realiza coleta de materiais recicláveis; a Associação de Costureiras de Itapagipe e a Associação de Doceiras e Confeiteiras de Itapagipe. As organizações trabalham no sentido de garantir renda e melhoria da qualidade de vida, como destaca Raimundo Nascimento, que participa da Associação Beneficente Sociedade 13 de Junho.
Além das associações e grupos do bairro, alguns moradores tomam atitudes para mudar a realidade em que vive e das pessoas do bairro, em nível local e mais emergencial. É o caso de Negro Dindo, que criou o Agita Alagados. O projeto que já tem sete anos inclui aula de exercício laboral para a melhor idade e animação para crianças.
Dindo também arrecada cestas básicas para doação, algumas delas ele tira do próprio dinheiro. Altruísta, ele revela que o principal objetivo de sua vida não é ter, mas ser, e por isso, não se furta em gastar dinheiro do seu próprio bolso para custear parte das ações do projeto criado por ele mesmo. Entre elas, ele destaca a distribuição das cestas básicas aos moradores carentes do bairro, de presentes no dia das Crianças e no Natal.
E assim, sobrevive o bairro que, depois de algumas chuvas, continua alagando, devido às dificuldades de drenagem da água. No entanto, o bairro que transformou as palafitas em residências tem fôlego ainda para transformar a sua própria realidade. E mesmo com as dificuldades, o povo do Uruguai, os sotero-uruguaios fazem o que aprenderam a fazer desde quando chegaram ao bairro: resistir.

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